sexta-feira, 11 de julho de 2014

Invasão da Área de Proteção Especial de Paracatu põe em risco o frágil equilíbrio socioambiental, o abastecimento de água e a saúde coletiva

Por Sergio Ulhoa Dani (*), de Worms, Alemanha, em 11 de julho de 2014

Em novembro de 2011, um grupo de cerca de 300 pessoas invadiu a sede da Fazenda Paiol, localizada no centro da APE-Área de Proteção Especial de Paracatu [1], às margens do Córrego do Paiol, o principal afluente do Ribeirão Santa Isabel, no município de Paracatu-MG (figuras 1 e 2). 



Figura 1 │ Mapa da APE de Paracatu, com indicação da RPPN-Reserva Particular do Patrimônio Natural do Acangau (RPPN) e do Parque Estadual de Paracatu (PqEPar). O círculo indica o local da invasão, às margens do Córrego do Paiol.



Figura 2 │ Imagem de satélite mostrando a ocupação de cerca de 13 hectares em torno da sede da Fazenda Paiol, localizada às margens do Córrego do Paiol, no núcleo de conservação da APE-Área de Proteção Especial de Paracatu. Foto retirada do Google Maps, em 11 de julho de 2014.

A Fazenda Paiol pertence ao Espólio do médico paracatuense Francisco Timoteo Lisboa, assassinado em 2002. Os invasores foram despejados do local por força de uma ação judicial de reintegração de posse [2], mas vários invasores retornaram para a área em seguida.

Desde então, assistimos a uma situação absurda de ocupação de uma APE com centenas de barracas de lona, trânsito de carros, caminhões e motos levando e trazendo pessoas forasteiras e cães, lavagem de veículos no Córrego do Paiol, dilapidação do patrimônio natural e coletivo, acúmulo de dejetos humanos e lixo, depredação da flora e fauna nativas, matança e roubo de animais domésticos dos produtores rurais tradicionais da região, transmissão de doenças infecto-contagiosas, bandidagem, extorsão, exploração ilegal do trabalho e especulação imobiliária. Estão destruindo o frágil equilíbrio socioambiental da APE e literalmente sujando a preciosa caixa d’água da cidade de Paracatu. 

Entre os invasores e seus líderes encontram-se o ‘aposentado da reforma agrária’, Deodato Divino Machado, ligado ao movimento ‘Terra, Trabalho e Liberdade’ (MTL) da região de Uberlândia [3]. Deodato Machado é ex-bombeiro hidráulico e mecânico na construção civil, candidato derrotado a vice-prefeito pela coligação dos partidos PSOL e PSTU nas eleições municipais de Uberlândia de 2012 [4]. Ele esteve envolvido em outras invasões e arrombamentos na região de Uberlândia [5]. Entre os líderes oriundos de Paracatu cita-se o ex-vereador Paulo Pereira da Silva, vulgo ‘Paulinho Leiteiro’ do PMDB e seu filho, que teriam apoiado a invasão e a ocupação da Fazenda Paiol com fins de loteamento da área. Paulinho Leiteiro pertence à Comunidade do Ribeirão Santa Rita, uma região de Paracatu destruída pela mineração de ouro a céu aberto. A colaboração de Paulinho Leiteiro com a mineradora transnacional canadense Kinross Gold Corporation [6], enquanto ele era Presidente da Comunidade do Santa Rita teria contribuído para a completa desintegração desta comunidade.

A invasão e ocupação da Fazenda Paiol têm finalidade política e especulativa, em total desrespeito ao plano de ordenamento ambiental da APE e aos patrimônios natural, particular e coletivo. Consta que a estratégia dos invasores consiste em arregimentar cúmplices em bairros das periferias das cidades como Cristalina, Vazante e Paracatu e exigir das vítimas o pagamento de uma taxa mensal, sob ameaça de não receberem pontuação para aquisição de uma eventual gleba de terras. Uma verdadeira indústria da especulação imobiliária foi montada, com envolvimento de pessoas de diversos extratos sociais. Até mesmo um conhecido locutor de rádio da cidade de Paracatu teria pago taxa mensal para manter barracas no local. A maioria dos invasores possui casa na cidade. Alguns dizem participar da ocupação da Fazenda Paiol 'por lazer'. Entretanto, disputas, extorsão e brigas entre os invasores também têm sido relatadas.

Ignorância útil, ganância fútil, especulação, oportunismo e irresponsabilidade impedem que os invasores e seus líderes entendam que é inútil e nocivo ocupar uma Área de Proteção Especial. Essa ocupação fere direitos difusos fundamentais como o direito à água, à vida e ao ambiente ecologicamente equilibrado.

A omissão e a falta de empenho do povo de Paracatu, dos seus representantes, das instituições governamentais e não governamentais, da COPASA e especialmente das autoridades do governo estadual para execução da determinação judicial de reintegração de posse agravam o risco ao ambiente e à sociedade. É preciso entender que as safras de água, equilíbrio socioambiental e saúde dependem de nós.

Referências e notas:

(*) Sergio Ulhoa Dani é médico formado pela UFMG, doutor em medicina pela MHH (Alemanha), doutor em ciências pela UFMG, livre-docente em genética pela FMRP-USP, presidente da Fundação Acangau e do Instituto Medawar de Pesquisa Médica e Ambiental.

[1] A APE-Área de Proteção Ambiental de Paracatu corresponde à microbacia do Ribeirão Santa Isabel, que encerra os mananciais hídricos de abastecimento público da cidade de Paracatu. A APE de Paracatu foi criada pelo decreto estadual 29.587, de 1989. A APE de Paracatu engloba cerca de 25 mil hectares onde encontram-se cerca de 190 propriedades rurais, incluindo duas RPPNs-Reservas Particulares do Patrimônio Natural (Reserva do Acangau, 2,5 mil hectares, criada pelas portarias IBAMA 147/92  e 146/92) e um Parque Estadual (Parque Estadual de Paracatu, 6,4 mil hectares, criado pelo decreto estadual nº 45.567, de 22 de março de 2011). 

[2] ‘Processo no 0024.12.111626-3. SECRETARIA DA VARA AGRARIA DE MINAS GERAIS. COMARCA DE BELO HORIZONTE. EDITAL DE CITACAO. PRAZO: 20 DIAS. O Juiz de Direito da Vara Agraria de Minas Gerais, Dr. Octavio de Almeida Neves, na forma da Lei, etc, Faz saber a quantos o presente edital virem ou dele conhecimento tiverem que, perante este Juizo e Secretaria, processam-se os termos e atos da Acao de Reintegracao de Posse, processo no 2032030-28.2012.8.13.0024, que Espolio de Francisco Timoteo Lisboa move a Jose Pereira de Brito, vulgo Zequinha, bras., casado, lavrador, nascido em 12/08/1954, em Vazante/MG, filho de Sebastiao Magalhaes de Brito e Terutulina Pereira de Brito,; Joao Batista Braga, bras., casado, mestre de obras, nascido em 19/08/62, em Guimaranea/MG, filho de Antonio Camargo Braga; e Deodato Divino Machado, bras., casado, agricultor, filho de Eleodoro Antonio Machado e Lazara Ribeiro Machado, nascido em 09/08/54, em Ituiutaba/MG, do Movimento Terra Trabalho e Liberdade, tendo por objeto o imovel denominado Fazenda Paiol e Buriti do Bernardo, localizado no municipio de Paracatu/MG.’

[3] Folha de São Paulo. Nove grupos atuam no Triângulo Mineiro. São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1804200417.htm

[4] http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=agenciaNoticias&id=5028

[5] http://www.newscafeicultura.com.br/one_news.asp?IDNews=4355

[6] A mineradora transnacional canadense Kinross Gold Corporation é apontada como responsável pela degradação socioambiental de Paracatu. Em março de 2014, o jornal alemão DIE ZEIT publicou uma reportagem de duas páginas sobre o caso. Leia a tradução da reportagem:
http://www.alertaparacatu.blogspot.de/2014/03/publicada-na-alemanha-reportagem-sobre.html
http://www.alertaparacatu.blogspot.de/2014/03/o-tesouro-venenoso-de-paracatu.html 
http://www.alertaparacatu.blogspot.de/2014/03/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-i.html 
http://www.alertaparacatu.blogspot.de/2014/04/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-ii.html 
http://www.alertaparacatu.blogspot.de/2014/04/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-iii.html
http://www.alertaparacatu.blogspot.de/2014/05/o-tesouro-venonoso-de-paracatu-parte-iv.html

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