domingo, 1 de fevereiro de 2009

CANAL ABERTO

CANAL ABERTO

Serrano Neves

Chego em Paracatu e o parceiro Dr. Sergio Dani (Fundação Acangaú) me  recepciona com um exemplar da edição 15 de O Lábaro (parabéns Uldicéia).

Após abraços folheio rapidamente e em página inteira vejo que a Kinross anuncia um CANAL ABERTO em letras abertas.

As empresas normalmente têm seus canais para reclamações e algumas até são obrigadas a tê-los para atender consumidores, mas este caso se apresenta diferenciado.

Muitos anos de pressão minerária sobre a comunidade criaram relações difíceis, desde acomodação diante do que se imaginava inevitável e deveria ser suportado a custos não avaliados, até erupções de indignação diante da pressão.

Quem acompanhou de perto o movimento liderado pela Fundação Acangaú, mesmo os indignados, não acreditou que alguma coisa pudesse mudar, principalmente quando um deputado, na audiência pública, defendeu, com a faca nos dentes, os direitos minerários para o progresso.

Na sessão de "tapas" brilhou Irineu, que mandou dizer para o "faraó" que aqui tem gente que não se curva.

E foi essa gente que apoiou o movimento, quase apanhou da polícia, foi presa e processada.
Por detrás do movimento sempre houve nossa lealdade e compromisso no sentido de melhorar as coisas e estabelecer melhores relações, e havia, como não poderia deixar de haver, a confiança de que a Kinross abrigava inteligências capazes de perceber isto, e era só uma questão de tempo.
O tempo correu, e até correu curto, e a Kinross acenou que para além das práticas formais de responsabilidade sócio-ambiental cumpridas à letra da lei, compreendia ter uma responsabilidade constitucional acima da lei, capaz de interagir com a comunidade e, digamos, "acertar os ponteiros".

Esta minha percepção não assinala uma etapa de "beijos" após os "tapas", é fruto de muitos anos de reflexão como pode ser visto no texto "Paralelo 666" publicado n'O Lábaro.

O ajuste parece ser mais fácil para nós que já assimilamos o conceito de função social da propriedade e pensamos de modo informal, embora operemos com informação de boa qualidade científica.

Para a Kinross pode ser mais trabalhoso entrar no círculo da função social da propriedade, em razão do histórico - como qualquer outra empresa - necessário de práticas para alcançar os objetivos comerciais.

A Kinross veio para a mesa de negociações com a face amigável que pedimos, para aprender a falar o "cidadanês".

O cidadanês é uma língua meio difícil porque as palavras têm várias pronúncias, mas a Kinross demonstrou - com habilidade e agilidade, que quer ouvir e conhecer as variações.
Canal Aberto, em letras claras e página inteira, é o marco fundamental de um processo de construção que se abre para a participação direta da comunidade, é uma expressão real de que a sociedade alvo da função social é um "parceiro funcional" capaz de dizer o que quer, conforme seus anseios e sua cultura.

Ao reconhecer isto a Kinross demonstra sensibilidade, elemento necessário para o estabelecimento do convívio com base em valores humanos.

A recente crise mundial que evaporou centenas de bilhões de dólares está mostrando que os ativos financeiros e físícos podem ser ouro num dia e lata no dia seguinte, e aí todos terão que viver com lata. Lata não dá para distribuir como benefício, mas dá para (com)partilhar, e partilha só se faz com gente de quem a gente gosta e com quem a gente convive.

Nossos parceiros na comunidade - e a própria Kinross - haverão de entender que essa primeira fase ainda é de "entre tapas e beijos", diante de previsíveis conflitos entre a técnica e a cidadania, e alguns lances mais duros poderão acontecer lado a lado com lances diplomáticos, nada, porém, que uma canja da noite no Veredas ou um filé do meio-dia no Frater, compartilhados, não consigam colocar nos devidos lugares.

Função social da propriedade é coisa simples: é alguma coisa que funciona na sociedade e cria o bem estar para todos, e foi isto que a Kinross fez: abrir um canal para ouvir o "cidadanês" e conversar conosco na nossa própria língua.

Parabéns para nós todos, principalmente para a comunidade.

8 comentários:

  1. Dr. Paulo,a nossa mãe terra agradece os avanços conseguidos pelo esforço de concientização destas grandes empresas,que interferem diretamente em nosso meio ambiente.

    Um Grande Abraço....
    RONALDO
    JUIZ DE FORA- MG

    ResponderExcluir
  2. Dr. Paulo,a nossa mãe terra agradece os avanços conseguidos pelo esforço de concientização destas grandes empresas,que interferem diretamente em nosso meio ambiente.

    Um Grande Abraço....
    RONALDO
    JUIZ DE FORA- MG

    ResponderExcluir
  3. Gosto de ver os cidadãos paracatuenses começando a abrir a cabeça e ver que a rpm não é a empresa "Amiga" na qual eles tanto falam. Espero que continue assim, a mobilização deve continuar e sei que nossos esforços não vão ser em vão.
    Agradeço a vocês que montaram este blog e atuam em jornais.

    ResponderExcluir
  4. Vocês se iludem ao pensar que a Kinross em um só segundo pensou em entrar em acordo com os cidadãos por consciência ambiental.Infelizmente o modo de pensar deles é diferente, essa é apenas mais uma estratégia de marketing para que não descubramos não somente as consequências da atividade mineradora, mas também as fraudes e subornos que envolvem a empresa e ambientalistas. Se a população fica "quietinha", tudo fica bem melhor para eles. Como dizia a minha avó "Bosta quanto mais mexe mais fede".

    ResponderExcluir
  5. Denise, para as empresas é mais difícil adquirir consciência ambiental, mas não é difícil adquirir postura ambiental correta.
    O que precisamos é demonstrar para as empresas que nós, o povo, não aceitamos outra postura porque é nossa saúde e nossa vida que estão em jogo. Precisamos acreditar que existem pessoas sérias na Kinross, principalmente brasileiros que nela trabalham. Somos experientes o suficiente para não nos deixarmos enganar. Nos ajude a conscientizar a população paracatuense para exigir um meio-ambiente saudável. Obrigado por interagir.

    ResponderExcluir
  6. Denise, postura ambiental, ética e moral,é o que
    não faltam para essa turma que tem conseguido avanços tão representativos em sua comunidade.
    Participe junto a eles, o nosso meio-ambiente
    retribui harmoniosamente.

    Ronaldo
    Juiz de fora - MG

    ResponderExcluir
  7. Dr. Ronaldo, bom dia!!
    Gostaria de saber porque a RPm não permiti a entrada de alguns ex-funcinários, mesmo que estes estejam a trabalho. Alguém pode me ajudar?
    Isso é discriminação ou por ser uma empresa particular ela tem esse direito?

    ResponderExcluir
  8. Caro anônimo, não respondo pela RPM, mas sua pergunta envolve discriminação, e isto é uma questão jurídica, da minha seara.
    Uma empresa privada pode sim restringir a entrada e circulação de pessoas no seu espaço de operação, principalmente as que tem operações que são consideradas de risco para quem não está a par de todas as normas de segurança, ou que possam interferir nas rotinas de produção. Muitas empresas mineradoras mantém programas de visitação previamente agendados. Ligue e confira.

    ResponderExcluir

Aguardamos seu comentário.